EM 1957/58, duas "Rainhas" vieram a Portugal.Tinha eu uns 10 anos, mas recordo como se fosseontem. A Rainha Elizabeth II do Reino Unido e seumarido o Príncipe Philip, Duque de Edinburgh,deslocaram-se a Portugal de 18 a 21 de Fevereiro 1957e a Alcobaça no dia 20, quarta-feira. A Maria Callascantou a Traviata no S. Carlos em 27 e 30 de Março 1958.Quando a Rainha Isabel subiu a escadaria monumentaldo Mosteiro de Alcobaça, depois de ligeira hesitaçãoante as alas formadas pelos estudantes de Coimbra quese ajoelharam e estenderam as suas capas pretas aatapetar o caminho da Rainha, já a jovem Monarca tinhaconquistado o coração dos Portugueses e dosAlcobacenses. Rainha Isabel de Inglaterra, como achamavam, mas agora era tambem a sua Rainha.Fenómeno, à escala da época, repetido na geraçãoseguinte com Diana, a Princesa do Povo.
Nesse ano, a seguir a Portugal, aRainha visitou a França. Também me lembro de a ver na capa da Paris Match, sorridente com o Presidente René Coty e o slogan "Senhora, o nosso coração é o vosso"! Seguiram-se a Dinamarca, os Estados Unidos e o Canadá, onde procedeu à abertura do Parlamento, a primeira vez que tal aconteceu pelo soberano em pessoa. Elizabeth II reinava sobre a Commonwealth (a solução mais inteligente para transpor o Império Britânico à realidade do séc.XX), desde a Austrália ao Canadá, só comparável ao Império de Carlos V, onde o Sol nunca se chegava a pôr! Recordemos a sua inesperada ascensão ao trono com 25 anos. O Pai, George VI, morre subitamente aos 56 anos, a 6 de Fevereiro 1952. A Rainha Mãe, há-de lhe sobreviver até ao séc.XXI, tendo sido centenária. O seu carisma e bondade, que partilhou com seu marido enquanto Rei, muito ajudaram à preservação da monarquia nos tempos difíceis que se seguiram. O Povo nunca esqueceu que durante os pesados bombardeamentos nazis a Londres na II Grande Guerra, o seu Rei e a sua Rainha não os abandonaram para lugar mais seguro, permaneceram estoicamente em Londres e visitavam os locais mais atingidos. Espírito que transmitiram a suas Filhas, Elizabeth e Margaret. A 8 deFevereiro, na Declaração de Subidaao Trono, Elizabeth lê emocionada "Devido ao falecimento súbito de meu amado Pai, sou chamada a assumir os deveres e a responsabilidade do Reino. O meu coração está hoje repleto de emoções, para que vos possa dizer mais de que sempre trabalharei, tal como meu Pai o fez ao longo do seu reinado, para defender o governo constitucional e promover a felicidade e a prosperidade dos meus Povos, espalhados que estão pelo mundo inteiro". Eram ainda tempos difíceis do pós-guerra. A vitória foi demorada e por alto preço, embora sempre pequeno para defender a liberdade. Ainda operavam racionamentos e algumas regras espartanas. À Guerra real, sucedeu a Guerra-fria. A primeira bomba atómica britânica experimental deflagrou nesse ano da subida ao trono. A cerimónia da Coroação, a 2 de Junho de 1953, foi um evento nacional e também internacional de alegria, cor, confiança e partilha. Tratou-se da primeira Coroação transmitida por televisão, testemunhada por mais de vinte milhões, tal como a alocução do Natal de 1958 foi a primeira emque a Rainha se dirigiu aos seus súbditos pela televisão, da mesma cadeira e mesa onde seu Pai e seu Avô o tinham feito, mas pela rádio. O seu primeiro Primeiro Ministro foi Winston Churchill, que ela honrou sendo o primeiro Governante reinante a assistir em pessoa ao funeral de um súbdito, em 1965. Os anos cinquenta, que trouxeram a Rainha Isabel a Portugal e a Alcobaça, foram anos de construção e de progresso. A nova ordem ditou algumas perdas para o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, nomeadamente a crise do Canal do Suez e o desmantelamento do Império. Mas o futuro apresentou-se mais risonho e promissor, nas palavras do PM de então, Harold Macmillan. Progresso e liberdade trouxeram também novas maneiras de pensar, deolhar e de promover. De contestar e de governar. Foi tam-bém a década da afirmação da juventude, o aparecimento do mito Elvis na América, ao que a Inglaterra respondeu com Tommy Steele, Cliff Richard e Diana Dors. Foi a era da Arte Pop, do Cool Jazz e da implantação da televisão. Alcobaça preparou-se durante anos para receber a Rainha. Desde 1929 decorriamos trabalhos de "Reintegraçãodo Mosteiro", sob os auspícios dos Monumentos Nacionais, estando ligados nomes como Gomes da Silva, Baltazar de Castro, os Irmãos Vieira Natividade e Ernesto Korrodi (anos30). Na década de cinquenta, Joaquim Augusto Carvalho, que também esteve a receber a Rainha, na qualidade de Presidente da Câmara, ajudou com impulso para a Ala Sul, a demolição do Jardim Escola e a reconversão do Rossio. Na fotografia aérea que obtivemos por sua amável cedência, vê-se um Rossio misto, com a parte Norte ainda com o Desenho Tertuliano Marques, enquanto a Sul o traçado já indicia Vaz Martins. Rossio a fervilhar de gente, à espera da sua Rainha. Da "Saudação" em Editorial d’OAlcoa de 28 de Fevereiro de 1957, transcreve-se: "A presença da Rainha Isabel II em Alcobaça e do Duque de Edimburgo, constitui mais uma afirmação de solidariedade luso-britânica, agora traduzida pela visita aos mais representativos monumentos históricos da grandeza nacional. Os mesmos sentimentos de independência, conquista e domínio marítimo e a simultaneidadede interesses das duas nações atlânticas, uniram no passado os dois povos, hoje destinados a salvaguardar a defesa dos valores ocidentais, a manter os princípios de direito e justiça, que asseguram a paz e permitem o respeito mútuo entre nações". A Sr.ª D. Berta e o General Craveiro Lopes, como Presidente da República, acompanhados de diversas Autoridades civis e militares, receberam os ilustres visitantes elevaram-nos a admirar o impressionante resultado das obras de recuperação e de reintegração, os inolvidáveis túmulos de Pedro e Inês, sobressaindo ainda belas decorações florais. Depois de passagem pela Sala dos Reis (onde foram construídas duas condignas instalações sanitárias para a ocasião em compartimentos anexos, para o que foi apeada mais uma escada de caracol de comunicação para o piso superior, onde possivelmente se situou a Torre Sineira da Igreja do Povo), passou-se a opíparo banquete servido no Refeitório, o mesmo local digno das descrições Beckfordianas. A riqueza do arranjo da sala e da mesa pode-se apreciar nas fotografias com que o Sr. Luís decorou as paredes do seu Restaurante O Telheiro em Alcobaça. A ementa fazia justiça aos Coutos, com a lagosta próxima, de Peniche, e as frutas e aguardentes de Alcobaça. A vitela era "à portuguesa" e as ervilhas, em Fevereiro, tinham que ser do Algarve. A qualidade do molho de chocolate no gelado, ainda hoje pode ser apreciada no Restaurante Trindade (embora extraementa)! António Salazar e Marcelo Caetano, Ministro da Presidência, em dias seguidos mas em separado, também vieram discretamente apreciar as obras do Mosteiro de Alcobaça e o fausto montado para a recepção Real. Em 1973 celebraram-se os 600 anos do Tratado de S. Paulo e da formalização da Aliança entre as duas nações amigas, ao tempo de D. Fernando e de Eduardo III. Por simples coincidência, foi nesse mesmo ano que eu casei com a minha Elizabeth e que também se tornou minha Rainha. Curiosamente, Alcobaça marca, pela positiva, as gentes de fora que a visitam. Foi durante a S. Bernardo e em Alcobaça que a pedi em casamento. Mas já antes destas duas Elizabeth que passaram por Alcobaça (a minha volta todos os fins de semana e para férias, a outra, a Rainha Isabel, ainda não cumpriu o ditado do Silva Tavares!), parece que Alcobaça já estava destinada a acolher e a encantar uma "mão cheia" de ingleses interessantes. Para não falar de S. Estevão Harding, que era de origem inglesa e foi o terceiro Abade da Ordem Cisterciense, que acolheu Bernardo e que, na realidade construiu as fundações sólidas que permitiram os vôos bernardinos, que culminam em Alcobaça. Foi também em Aljubarrota que a ajuda inglesa, aliada ao apoio logístico cisterciense se revelaram de determinante valia. As técnicas trazidas pelas batalhas ganhas quer aos Escoceses (lembram-se de BraveHeart?), quer aos Franceses, foram também adaptadas em Aljubarrota, garantindo o sucesso da batalha e a independência do Reino. Outros Ingleses dignos de referência passaram por Alcobaça, mormente William Elsden, que o Marquês mandou a Alcobaça em socorro da Ordem e de seu primo Abade Fr. Manuel de Mendonça e que, além de avaliar os efeitos das cheias no edificado cisterciense, deixou legados de Planeamento e de construção artística (Sala dos Túmulos neogótica e Altar Mor Barroco); Richard Twiss, que publica em 1775 escritos sobre as suas Visitas a Portugal e Espanha em 1772/73; James Murphy, Arquitecto, que visita Alcobaça em 1789 e que depois fez levantamento notável do Mosteiro da Batalha, que muito orientaram o nosso Príncipe Consorte Fernando de Saxe-Coburgo-Gota, por sua vez primo direito de Alberto (com os mesmos apelidos), marido da Rainha Victoria do Reino Unido; William Beckford, rico e culto cidadão que se deslocava com um séquito de 32pessoas, incluindo médico (físico) particular e que deixou descrições de uma riqueza e expressão assinaláveis, publicadas em 1839, mas narrando as suas viagens a Portugal mais de quarenta anos antes e a Alcobaça em 1794; Miss Pardoe, com o seu "Traits and Traditions of Portugal"; James Holland, pintor e aguarelista, que apanha o Mosteiro logo a seguir à extinção da Ordem; etc. etc.
E já que também estamos em breve resanha histórica, notar que Elizabeth II subiu ao trono com a mesma idade da sua antecessora e homónima Elizabeth I, do séc.XVI,a Rainha Virgem que repeliu a Invencível Armada, que saiu do Tejo em 1588, sob o comando do Duque de Medina Sidonia e ordem de Filipe II de Espanha, Primeiro de Portugal, para a conquista daquele Reino, a cujo trono o Filho de Carlos V e ex-marido de Maria Tudor de Inglaterra, se achava com direito.
Mas hoje não vamos mais longe, quedemo-nos na recordação desta visita real de excepção. Há cinquenta anos, tal como hoje, tal como há quinhentosanos, o Rossio também foi Palco de acontecimentos relevantes em Alcobaça!
In Jornal Regional
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007
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