Tinha um ar dócil, tão dócil que faz lembrar as imagens que temos dos anjos. Já o olhar, profundo e penetrante, mostra-nos uma mulher guerreira e lutadora. Rosalina Filomena da Cunha viveu quase 99 anos e faleceu, em Alcobaça, há pouco mais de dois. A ela, o sexo feminino deve respeito e admiração, porque ousou reclamar, com apenas 22 anos, para as mulheres do mundo inteiro direitos iguais aos dos homens, a partir da sua terra natal em Santa Cruz (ilhas de Goa).
Conta o marido, Domingos José Soares Rebelo, no Livro ‘Filomena da Cunha (1908/2007) - Retalhos de sua vida’, que a sua esposa não nasceu num berço de ouro nem num lar convencional de goeses católicos. "É muito natural que Filomena da Cunha no seu íntimo ressentisse da situação estranha no seio da sua família do seu pai e de sua mãe, não condizente com a constituição doutras famílias goesas de formação católica". Apesar disto, conta o investigador de temas históricos, que ela procurou "vencer as vicissitudes entregando-se, de corpo e alma, ao estudo sério de cursos profissionais e do panorama social em sua volta auscultando, sobretudo, o regime de inferioridade e de fragilidade das mulheres indiana".
Estudou piano, costura e Inglês, mas também Medicina. No momento em que passa para o 3º ano daquele curso, adoece. O paludismo rouba-lhe a memória e é ‘obrigada’ a regressar a Goa, onde começa a despertar para as questões feministas. A sua opinião, sobre aquela temática, partilha-a na imprensa goense.
Deixando para trás o curso de Medicina, Filomena da Cunha optou pela formação no secretariado e no estudo profissional de Contabilista e Guarda-Livros. Diz o marido, no mesmo livro, que o faz para "não se enfileirar no rol de mulheres classificadas como simples domésticas".
Entre os anos de 1923/38, a feminista dedicou-se aos estudos com o objectivo de alcançar a independência económica. Assim aconteceu, embora deixando alguns sonhos pelo caminho.
Retomando à veia feminista. ‘A mulher moderna’ foi o primeiro artigo de Filomena da Cunha a ser publicado, no jornal diário ‘O Heraldo’. A partir daí nunca mais parou de escrever e foram surgindo convites de outros periódicos, como do ‘Jornal da Índia’. De Lisboa, da revista cultural ‘Portugal Feminino’, recebeu elogiosas referências e o convite para ser a delegada da revista na Índia. A sua participação em edições só fica completa se acrescentarmos à lista os seus ensaios no semanário ‘O Independente’, de Mapuça. Não diferençar as mulheres por causa das castas ou credos era a mensagem que a escritora passava nos seus textos.
Foi em Mombaça que Filomena da Cunha conheceu o seu marido, Soares Rebelo. Depois do casamento, o historiador viajou até ao Quénia à procura de uma situação económica mais desafogada. Mais tarde a feminista juntou-se ao marido e juntos fizeram uma caminhada de 66 anos, da qual resultou dois filhos. Um percurso que passou também por Moçambique e terminou em Portugal.
Já com a filha a exercer medicina na vila da Nazaré, Filomena da Cunha e Soares Rebelo vêm a Portugal fazer uma visita aos filhos. Enquanto a feminista decide ficar, o marido parte para Moçambique até abandonar este país em 1978.
Dois anos depois, o casal instala-se em Alcobaça. Para além de passear e cuidar da casa, Filomena da Cunha passava o seu tempo a ler jornais e revistas (em português, inglês e francês) para se manter informada do que se passava no mundo. A feminista era uma mulher solidária que gostava de distribuir dinheiro por instituições portuguesas de beneficência, tratando de crianças, idosos e leprosos. Uma vontade que Soares Rebelo continua a ‘cultivar’.
In Região de Cister
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
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