sábado, 17 de janeiro de 2009

Há Mais Vida

A economia tem uma forte componente psicológica. Investimentos e operações na Bolsa dependem frequentemente do "feeling", mais do que da análise ponderada. Na decisão económica a futurologia joga um papel considerável. Um negócio pode prosperar ou afundar-se em função de acontecimentos que estão para vir. Prevê-los é crucial, mesmo se todos sabem que isso é impossível.

A economia vai-se assim envolvendo de uma crescente subjectividade e irracionalidade. Em que estados mentais, tendências sociais, factos, media, previsões avulsas e muito charlatanismo se misturam num caldo alucinante.

Neste contexto o actual discurso sobre a crise tornou-se num elemento central da crise. Mais do que os factos reais que estiveram na sua origem e respectivas consequências, é o repetido anúncio da hecatombe iminente que aprofunda a crise económica. Se toda a gente diz que isto está mal e ainda vai piorar, quem se atreve a fazer investimentos, desenvolver a sua actividade ou simplesmente gastar dinheiro nalgumas compras?

Acontece que o nosso sistema político, onde só o governo é positivo e todas as oposições são negativas, favorece a depressão geral. A oposição que exibe uma enorme satisfação com as más notícias, não mostra por outro lado a mínima capacidade de apresentar soluções e alternativas mobilizadoras. Fica-se pelo quanto pior melhor e pelo alarmismo. A que se acresce o papel dos media onde, como se sabe, só a má notícia é uma boa notícia.

Temos assim Portugal tolhido pelo pavor do futuro, incapaz de reagir a uma crise que em boa verdade não tem muito de extraordinário. Uma guerra seria pior, o fascismo foi pior e nas nossas vidas democráticas já vimos este país estar de tanga e eufórico, falido e entusiasta. Esta crise não é nada.

Uma mulher que por estes dias apareceu na televisão, a propósito do mau tempo, quando questionada pela jornalista sobre a tremenda calamidade que vivia pois a sua aldeia estava bloqueada pela neve, respondeu: tenho couves, tenho batatas, tenho feijões, tenho tudo.

Não será o melhor exemplo de criatividade e inovação, ainda menos para quem, como eu, não tem particular apreço pelo campo e acha que só as cidades são o lugar da civilização. Mas há que admirar a atitude positiva face a tanto frenesim catastrófico que devia servir de exemplo a tanto político e comentador.

A crise pode certamente ser minimizada acudindo aos bancos para restaurar a confiança, injectando dinheiro na economia com obras públicas, lançando programas de estímulo económico, mas muito mais determinante será inverter a actual onda de negativismo. Desde logo começando a olhar para este momento como uma oportunidade e um estímulo à mudança.

E Portugal precisa mesmo de mudar muita coisa. Nos comportamentos sobretudo. Há pouca ousadia, falta ambição, predomina o formalismo, impera a reverência e forte hierarquização nas relações. A avaliação social, entre os pares e na comunidade, é uma constante cada vez mais exigente. Não basta parecer, é preciso mesmo ser. Aqueles que se encostam ao que aprenderam ou ao que conjunturalmente conquistaram arriscam-se a cair na ignorância ou no desemprego.

Já no plano das oportunidades Portugal tem muitos entraves mas tem também algumas vantagens. Ser pequeno é uma delas, já que um ligeiro desenvolvimento tem enorme impacte geral. Alimentar dez milhões é muito mais fácil do que, por exemplo, os 185 milhões do Brasil. Por outro lado, o estarmos integrados na Europa representa uma enorme vantagem quer para a solução dos problemas, que são globais e não locais, quer para a participação e abertura num espaço com uma população 50 vezes superior à nossa.

Outro aspecto positivo diz respeito à nossa sobriedade no campo das ideias. Os portugueses são sérios, para o mal e para o bem. Para o mal pelo excesso de formalismo, para o bem pelo rigor. É por isso que o nosso design e arquitectura têm uma qualidade tão elevada. Temos aí uma vantagem competitiva num mundo que atravessou quase três décadas de predomínio da vulgaridade e do kitsch.

Enfim, a superação da crise começará quando se deixar de falar tanto da crise.

Leonel Moura
In Jornal de Negócios

Sem comentários: