Na noite do passado sábado, os The Gift inscreveram uma nova dimensão na monumentalidade do Mosteiro de Alcobaça. Nas entranhas de um espaço desde sempre reservado ao silêncio, gravaram um registo de modernidade. Não foi a primeira vez que a banda actuou no Mosteiro - em 1995 montaram palco no claustro e em 2001 na fachada principal, lugares há muito acessíveis aos mais diversos géneros musicais. Já a Biblioteca, miolo do edifício, é espaço reservado a que poucos têm acesso. Pela primeira vez, a sala foi aberta para um espectáculo a que os indefectíveis fãs do grupo não quiseram faltar. O espaço tem capacidade para mil pessoas. Não encheu, mas não foi preciso, a avaliar pela cumplicidade entre a banda e a plateia.
De pé, a maior parte apenas lobrigando o que se passava no palco, os fãs ligaram-se pelo fio do som. Logo na segunda música cantavam em uníssono com Sónia Tavares; sem necessidade de artifícios cénicos, as coisas correm ao sabor das músicas. Talvez por instinto - deduz-se pela surpresa de Sónia à pergunta no final do concerto - a imagem angélica da vocalista, criada pela camisa branca com folhos, projectava-se no palco como se quisesse criar um retábulo. "Não foi pensado!", respondia Nuno Gonçalves, explicando: "Quise- mos valer pela música, 60% das luzes estavam fora do palco e em termos de estética, está já sincronizada." Sónia socorre-se do número de concertos, "já são 300", para responder à sincronia que se pode detectar. "E rodeamo-nos dos melhores profissionais", remata.
Na noite de sábado estavam literalmente em casa e a banda sabia que ia ser assim. "Temos que piscar o olho às pessoas que estão há muito connosco", explicava Nuno, dizendo que, por isso, "preparámos um alinhamento especial com músicas que já não tocávamos há muito tempo e dificilmente fazíamos fora de Alcobaça".
Banda e fãs, todos perceberam a opção. O tom geral à saída era de quem recebeu aquilo a que havia adquirido à entrada: duas horas de música que já conhecia, até tem nos discos lá em casa, mas que pretendia ouvir ao vivo, num espaço inesperado.
Para lá chegar, o caminho é labiríntico - sem surpresas num edifício com mais de oito séculos. Imprevisto só se fosse o som, mas era esse o interesse das centenas de pessoas que seguiam como se avançassem por um trilho que os levava a um lugar de culto que rapidamente queriam alcançar. Juntaram-se num espaço por onde circularam, ao longo de décadas, os mendigos que o regime de Salazar arrancou das ruas de Lisboa para esconder a pobreza nacional.
Ontem, a banda retomava os concertos em Espanha, com espectáculo em Alicante. Mas vai ficar por lá mais uns meses e, em Julho, no dia 6, actua em Bilbau - "quase como cabeça de cartaz", orgulha-se Nuno, num festival para 60 mil pessoas.
In Diário de Notícias
segunda-feira, 10 de março de 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário